O cuidado parental em tempos de migração laboral

Culturas e tecnologias de multiparentalidade na China rural do início do século XXI

Abstract

O que acontece quando jovens casais em zonas rurais deixam as suas aldeias para
ir trabalhar para a cidade? Porque optam por deixar as suas crianças na aldeia sob o
cuidado dos avós? Trata-se de uma forma de abandono parental, ou é uma estratégia
coletiva de multiparentalidade construída em redor do ideal local da família indivisa
patrilinear multigeracional? Baseado em trabalho de campo longitudinal de quase duas
décadas, entre 1999 e 2018, numa comunidade rural na província de Guangdong, sul da
China, este artigo mostra como a migração laboral dos mais jovens para a cidade foi
sustentada pela resiliência de sistemas sociotécnicos tradicionais de partilha
intergeracional dos deveres da parentalidade. Foi a reconfiguração destes sistemas de
multiparentalidade que permitiu aos jovens casais migrantes encontrar formas de lidar
com o duplo fardo do trabalho e da família, beneficiando de uma rede de apoio familiar
estável num contexto de mobilidade crescente e insegurança generalizada. As novas
formações de multiparentalidade emergentes continuam a colocar grande parte do
trabalho de cuidado nas mulheres e continuam a depender de uma coligação parental entre a geração mais velha e a geração do meio da família indivisa patrilinear, mas a geração
do meio fortaleceu o seu poder económico, o que levou a um enfraquecimento da
autoridade patriarcal da geração mais velha. Este declínio da autoridade da geração sénior
tem sido acompanhado por uma tendência crescente para a externalização do cuidado dos
avós para cuidadores e educadores profissionais sob a influência de novas visões de
parentalidade e educação intensivas cada vez mais dominantes nos meios urbanos.